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Maria Bonita: joias, tortura e sem sexo às sextas, diz biógrafa do cangaço

Maria Bonita tornou-se cangaceira porque quis. Era infeliz no casamento – com um sapateiro – e largou tudo para acompanhar Lampião, à época, já uma celebridade internacional, o bandido mais procurado do Brasil, com direito a reportagem no “The New York Times”.

A primeira mulher a entrar no cangaço não foi raptada e estuprada ainda criança, como acontecia com a maioria das mulheres do bando. Porém, como elas, foi obrigada a dar a única filha que teve.

Maria Bonita andava coberta com algumas das joias mais caras já vistas no sertão nordestino – todas roubadas pelo marido -, tocava bandolim enquanto Lampião cantava, ajudava a torturar algumas de suas vítimas, atuava como espiã para o bando e adorava comer o “passarinho ao vinho” que Lampião preparava. Ela se chamava Maria Gomes de Oliveira. Na intimidade, era a Maria de Déa (nome de sua mãe) ou Maria do capitão. O Bonita foi criado depois de sua morte.

Imagem: Benjamin Abrahão

A biografia da “Rainha do Cangaço”, escrita pela jornalista Adriana Negreiros, e recheada de histórias inéditas sobre a bandoleira. Veja trechos de “Maria Bonita – Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço”, da editora Objetiva.

“Abusada e arrumadinha feito uma boneca”

Maria era morena clara, tinha cabelo e olhos castanhos, nariz afilado, lábios finos, 1,56 metro de altura (Lampião tinha 1,74) ?um par de coxas grossas (…) um certo achatamento da região glútea e os pés grandes e esparramados?, descreve a autora. Era dona de uma gargalhada alta e, para Dadá, a mulher de Corisco, e sua principal rival, ela era “abusada, ranzinza, orgulhosa, metida a besta, barulhenta e arrumadinha feito uma boneca”.

Muito ouro

Ela andava com algumas das joias mais caras que já tinham circulado pelo sertão. Diz a autora: “Em volta do pescoço, exibia sete correntes de ouro (que pertenceram a uma baronesa alagoana, cuja casa fora assaltada por Lampião). As mãos traziam anéis em quase todos os dedos. Reluzentes brincos de ouro faziam conjunto com um broche do mesmo material, fixado ao tecido da vestimenta ou à jabiraca, o lenço de seda usado junto aos colares”.

O cabelo ficava protegido por chapéus de feltro, enfeitados com moedas, botões e medalhas de ouro.
Maria usava um punhal de 32 centímetros, feito de prata, marfim e ônix, um binóculo alemão e se perfumava com a mesma loção que Lampião: Fleurs d’Amour, da marca francesa Roger & Gallet. Ela também empunhava um revólver Colt calibre 38. No bornal, a bolsa dos sertanejos, carregava maquiagem, sabonete e perfume.

As cangaceiras, em geral, usavam vestidos de seda, quando estavam escondidas, acompanhados de luvas com motivos florais, meias, sandálias ou botas de cano curto. Em dias de andança no mato, o vestido era de pano resistente, acompanhado de meias grossas e perneiras de couro de veado ou bode.

Estupros

Maria Bonita, ao que consta, nunca sofreu violência de Lampião; porém, o cangaceiro violentou muitas meninas. A autora conta que ele “tinha intenso prazer (….) de estuprar uma mulher, enquanto ela chorava”. Ele e seu bando costumam fazer estupros coletivos e, na avaliação deles, “porque as mulheres queriam”. O livro relata casos estarrecedores.

Corisco e Dadá, ela, a rival de Maria BonitaImagem: Benjamin Abrahão

O estupro de Dadá, mulher de Corisco

Corisco a sequestrou, da casa de seus pais, quando ela tinha 12 anos e ele, 20. Conhecido como Diabo Louro, o cangaceiro a desvirginou violentamente. A seguir, a história, nas palavras da autora: “(depois do rapto, Corisco) jogou-a no chão. Imobilizou-a, levantou-lhe o vestido, abriu-lhe as pernas, se debruçou sobre seu corpo feito um animal, penetrou-a com força, repetidas vezes. Quando Corisco finalmente saciou-se, a garota estava inerte, quase desfalecida, com a região genital em carne viva, esvaindo-se em sangue. Delirando de tanta dor, pensara que suas pernas haviam virado escamas de peixe e, na sua alucinação, ‘nadava feito uma sereia numa correnteza vermelha com pedras de diamante’, como ela contaria depois. Nos dias seguintes, Dadá enfrentou febres altas, que lhe provocavam novos delírios. Cessada a hemorragia, começou a sentir escorrer, pela vagina, um líquido esverdeado. Para tratar os ferimentos e a inflamação, submetia-se a banhos de assento com ervas locais, preparados por dona Vitalina (tia do cangaceiro)”.

O sexo no cangaço

Era raro. E guiado por superstições. Nunca acontecia, por exemplo, às sextas-feiras e em vésperas de mudanças de esconderijo. Quando transavam “em respeito ao Pai Eterno, os cangaceiros tiravam do pescoço os colares com saquinhos nos quais traziam orações. Lampião carregava oito delas, além de um crucifixo em ouro maciço”, conta Adriana.

Apesar da pouca água existente no sertão, uma pequena quantidade era reservada para banhos íntimos das mulheres – para que elas estivessem asseadas para os homens. Eles não faziam o mesmo e, muitas vezes, passavam para elas doenças venéreas adquiridas em cabarés.

Como tratavam as DSTs

Contra a gonorreia, os cabras bebiam uma mistura de ovo com o suco de 12 limões, deixado ao sereno por toda uma madrugada e bebida antes do sol nascente. Abcessos eram abertos com canivete e espremidos até acabar o pus. Muitos ficavam de cócoras sobre uma fogueira.

Os cangaceiros também acreditavam que todo o tratamento iria por água abaixo, se “pisassem em rastro de corno”.

White Horse, traição e tortura

Lampião tratava a mulher paciente e carinhosamente. E ria das constantes crises de ciúme dela. Em 1931, o casal viajou no que seria uma lua de mel tardia e se hospedou na casa de fazendeiros abastados. Lampião fumava charutos, Maria jogava cartas e eram muitos os brindes com uísque White Horse. Lampião gostava de cantar e tocar sanfona, enquanto era acompanhado pela mulher, no bandolim. Quando sua voz falhava, chupava pastilhas Valda.

Aparentemente, Maria teve um romance com um comerciante chamado João Maria de Carvalho. Quando precisava de algo, tipo sapatos, ela mandava pedir a ele.

Maria impediu que Lampião matasse muita gente, no entanto, há registros que mostram que, em alguns casos, ajudou a torturar vítimas mulheres do marido: por exemplo, arrancando-lhes os brincos até rasgar os lóbulos.

Dadá, a rival

A mulher de Corisco costurava muito melhor que Maria Bonita, e, por isso, conquistou a alma vaidosa de Lampião. Ele pedia que ela lhe fizesse bornais com bordados florais e geométricos bem coloridos.

A autora não afirma que Lampião e Dadá tiveram um caso, mas conta noites em que eles ficavam numa “risadaria dos pecados”.

Lampião fazia “passarinho ao vinho”

Costurar, lavar e cozinhar eram tarefa de todos, homens e mulheres. Os homens costumavam caçar os bichos, as mulheres os temperavam e eles assavam. Lampião adorava fazer um prato em especial: passarinho ao vinho. Maria, além de cozinhar e tecer, agia como espiã, escutando as conversas das pessoas da cidade e recrutando novos homens para o bando. Ela e Lampião sabiam ler e escrever precariamente, e gostavam de ler a revista “O Cruzeiro”. 

A doação da única filha

Expedita nasceu em setembro de 1931, pelas mãos de uma parteira, sob a sombra de um umbuzeiro. Dias depois do nascimento, a menina foi entregue a um casal de vaqueiros, em Sergipe. A mulher havia dado à luz recentemente e é possível que a filha de Maria Bonita tenha sido apresentada à vizinhança como a irmã gêmea do outro bebê. Depois que entregou sua filha, Maria amarrou um pano em volta dos seios. Espremidos, eles deixavam vazar pouco leite. 

Há relatos de que, antes de ser doada, a bebê quase foi sangrada a facão pelo pai. Lampião se impacientaria com o choro dela e com o fato de ter que parar as caminhadas do bando para que a mulher cuidasse do bebê.

Todas as cangaceiras eram obrigadas a entregar seus bebês ainda recém-nascidos. Geralmente, eles eram dados a fazendeiros, juízes ou padres. 

O primeiro casamento de Maria

Ela foi casada desde os 15 anos com um primo sapateiro. O casal vivia no sertão da Bahia e o sapateiro era conhecido por se entregar aos prazeres da noite. Mas ele fazia pior. “Maria podia passar incontáveis noites longe de casa (quando o marido a traía) – muitas vezes depois de enfrentar a fúria dele que, aborrecido com os protestos da esposa, tentava lhe calar com tapas e socos”, escreve a autora. Maria, de seu lado, não era a mais fiel das esposas.

 Como conheceu Lampião

O cangaceiro, que já era o rei do cangaço, tinha atrás de si as polícias do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Decidiu tentar uma vida nova na Bahia. Maria de Déa, de seu lado, era fascinada pelas histórias do cangaceiro. Há algumas hipóteses sobre como os dois se conheceram, mas a mais aceita dá conta que, numa de suas fugas do marido, Maria chegou na casa dos pais e lá encontrou Lampião e seu bando. Foi para a cozinha, ajudar a mãe a preparar a refeição para os cangaceiros, Lampião se aproximou e travou com ela o seguinte diálogo, segundo a autora:
– Você sabe bordar?
– Sei.
– Então vou trazer uns lenços de seda para você bordar e volto daqui a duas semanas para buscar.
(…) ?Dias depois, Virgulino voltaria para pegar os panos e iniciar o namoro com Maria. (…) Durante todo o ano de 1929, ele interromperia suas incursões sertão adentro para visitar, com regularidade, a namoradinha ? o que não o impediria de, durante os trabalhos de campo, procurar o amor em outras paragens.?

O bando, com Maria à frente Imagem: Benjamin Abrahão

A Rainha do Cangaço

“Meses depois (….) passaria a viver maritalmente com Lampião. Assim, nos primeiros meses de 1930, Maria (…) se tornaria a primeira cangaceira da história do Brasil. Antes dela, nunca, uma mulher acompanhara o grupo de bandoleiros. Muitos tinham suas companheiras, mas não permitiam que os seguisse. Era o caso de Corisco. Quando Maria de Déa entrou no bando, fazia três anos que ele mantinha Dadá escondida na casa de dona Vitalina (sua tia), escoltada por capangas para evitar que fugisse ou fosse atacada pelas volantes (como era conhecida a polícia)”.

Cabeça decepada e madeira na vagina

O bando de Lampião foi dizimado numa emboscada feita pela polícia, em 28 de julho de 1938 (Corisco e Dadá não estavam nesse dia e se salvaram). Maria tinha 28 anos. Os onze homens haviam acabado de acordar. Os soldados viram Lampião puxar sua oração matinal e Maria fazer o café. Dispararam saraivadas de tiros. Maria estava com uma bacia na mão ao levar a primeira bala na barriga. Ela agonizava quando um soldado degolou Lampião. Depois, outro policial fez o mesmo com ela – que ainda estava viva. As cabeças dos onze cangaceiros foram depois expostas ao público, em Maceió. O corpo de Maria Bonita “seria abandonado com as pernas abertas e um pedaço de madeira enfiado na vagina”, conta o livro.

Após sua morte, o cangaceiro e seu bando, assim como sua companheira Maria Déia, conhecida como Maria Bonita, tiveram suas cabeças cortadas e expostas, como exemplo para a população

O que mais impactou a autora

Adriana conta que se impressionou muito com as histórias de violência do bando. No entanto, algo a assombrou ainda mais: “os relatos das cangaceiras sobreviventes são geralmente desacreditados em relação à extrema brutalidade da qual foram vítimas”, diz Adriana. “Dadá foi muitas vezes tachada de ‘exagerada’ ao dar detalhes sobre o rapto e estupro perpretados por Corisco”. Adriana sentencia: “Colocar em suspeição a versão das cangaceiras faz parte do mesmo padrão e da mesma lógica que insiste em desqualificar os relatos das mulheres quando violentadas”.

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Por Jeferson Sputnik Jornalista RTP 0021471/MG

Jornalista RTP 0021471/MG Radialista Social Media Mais de 100 milhões de acessos em 2022 Assessor parlamentar Câmara dos Deputados Brasília Sangue A Positivo