fbpx
Minas em Foco

Impunidade ainda persiste após 18 anos da Chacina de Unaí, Anterio Mânica, já condenado a 100 anos de prisão é julgado novamente

A dor das famílias, que se arrasta há quase duas décadas, segue um longo processo de impunidade com os acusados respondendo em liberdade

“A gente precisa de paz pra seguir em frente, mas não existe paz na impunidade. A impunidade incentiva o mal”. Essa declaração contundente, feita pela delegada regional do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), Ivone Corgosinho Baumecker, simboliza o clima de indignação dos participantes da audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na tarde dessa última segunda-feira (23/5/22).

A reunião foi realizada para debater as repercussões da Chacina de Unaí, nome pelo qual ficou conhecida no Brasil e até no exterior a execução por pistoleiros de três auditores-fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho naquela cidade do Noroeste do Estado. O requerimento para a realização do debate é da presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus (PT).

Sob o estigma da impunidade, o crime completou 18 anos no último dia 28 de janeiro e, nesta terça-feira (24), acontece novo julgamento do fazendeiro e ex-prefeito de Unaí, Anterio Mânica, já condenado a 100 anos de prisão, em outubro de 2015, como um dos mandantes do crime, em julgamento depois anulado por suposta falta de provas. No entanto, três anos depois, em novembro de 2018, ao analisar recurso interposto pela defesa do réu, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região anulou a condenação e determinou a realização de novo julgamento. Por 2 votos a 1, os desembargadores acataram o argumento de que as provas do processo contra ele são “insuficientes”.

Membros do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho realizam uma manifestação pedindo por justiça em frente à Justiça Federal.

A expectativa é que o julgamento seja finalizado até a próxima sexta-feira (27).

Provas

Para o Ministério Público Federal (MPF), há provas suficientes que demonstram o envolvimento de Antério Mânica na chacina.

Segundo o órgão, no dia anterior ao crime, um veículo Fiat Marea azul, igual ao da esposa do ex-prefeito, foi visto durante encontro entre os executores e os intermediários em um posto de abastecimento.

O MPF, inclusive, apresentou documentos do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran) que confirmavam que o único carro com essas características na cidade de Unaí pertencia à mulher.

Além disso, foram identificadas ligações realizadas da fazenda do réu para a cidade de Formosa (GO), onde morava um dos pistoleiros.

De acordo com o MPF, outra prova importante é uma testemunha que disse ter visto, no dia anterior ao crime, uma reunião entre os envolvidos, incluindo Antério Mânica, na fazenda de Hugo Pimenta, acusado de ser intermediário na contratação dos pistoleiros.

O Ministério Público também apresentou como prova as investidas que o ex-prefeito já tinha feito contra as fiscalizações dos auditores na fazenda dele. Antério Mânica chegou a ligar para a delegacia do trabalho da cidade para reclamar que os fiscais estavam “incomodando” e ameaçando os interesse políticos dele na região.

ATO EM DEFESA DA VIDA

O julgamento acontece no Tribunal do Júri da Justiça Federal em Belo Horizonte e um ato público em defesa da vida acontecer no local (Avenida Álvares Cabral, 1805, Santo Agostinho).

“Esperamos que o resultado deste novo julgamento seja o mesmo. Afinal, foi um crime contra o Estado brasileiro praticado por grupos econômicos que estavam acostumados a usar o seu poder para cometer qualquer tipo de crime”, afirmou Bob Machado.

“Essas pessoas precisam pagar pelo que planejaram e efetivamente fizeram. Planejar a morte de outro ser humano é muito ruim. Espero que não seja mais um júri em vão”, emendou Ivone Baumecker.

“EU COMPREI OS CAIXÕES”

Mesmo 18 anos depois, a sindicalista diz se lembrar bem do dia 18 de janeiro de 2004 e daqueles seguintes à chacina. “Todos nós temos dias de memória para ancorar nossas vidas. Dias bons e dias terríveis como aquele. Eu comprei os caixões, escolhi os túmulos, avisei as famílias e depois enterrei meus colegas. Nunca esquecerei da imagem dos filhos deles, todos crianças ainda, ao lado daqueles caixões com a certeza de que nunca mais veriam os pais”, contou Ivone.

Ainda segundo ela, um colega de sindicato recentemente embarcou no mesmo voo com Antério Manica, que estava acompanhado de sua filha. “Um organiza tudo para que o outro perca tudo e fica livre por aí com direito a ver sua filha todos os dias, o que foi negado para todas aquelas crianças”, lamentou.

MENDIGANDO POR JUSTIÇA

Helba Soares da Silva, viúva de Nelson José da Silva, um dos fiscais assassinados, lembrou que seu marido foi morto porque fazia bem o seu trabalho, que era incomodar quem enriqueceu graças à mão de obra barata do trabalho escravo.

“Há 18 anos que a gente mendiga por justiça e todo ano é a mesma coisa. Amanhã teremos mais um julgamento, mas se vivêssemos em um país sério já era pra quem foi condenado a 100 anos de prisão já estar pagando por seu crime”, lamentou, em tom de resignação.

“Não sei até quando isso vai, provavelmente até prescrever. Cadeia no Brasil é para preto e pobre. Se você tem dinheiro pode fazer o que quiser”, completou.

R$ 45 mil por quatro vidas

Carlos Alberto Menezes Calazans, que na época da Chacina de Unaí era delegado regional do Trabalho em Minas Gerais, lembrou detalhes da trama criminosa, entre eles a apuração de que o planejamento do crime tinha como vítima inicial o líder dos auditores-fiscais (Nelson).

Mas, de acordo com Carlos Calazans, ao ser informado de que a vítima estava acompanhada de três colegas, Norberto Mânica, irmão de Antério, teria prontamente garantido o pagamento pela execução de todos eles. “O crime custou no total R$ 45 mil”, contou.

“Nesses 18 anos fizemos quase tudo o que foi possível. Fomos a todos os presidentes do Supremo Tribunal Federal pedir justiça. Todos nos prometeram isso, mas nunca conseguimos colocar os mandantes na prisão. Vários auditores já enfrentaram de tudo depois disso e nós ainda não conseguimos justiça. Está todo mundo solto”, afirmou.

MANDANTE ATUA NAS SOMBRAS

O advogado criminalista e assistente de acusação contratado pelo Sinait para o julgamento desta terça (24), Roberto Tardelli, lamentou a dificuldade de se condenar os mandantes de crimes como a Chacina de Unaí, que ele comparou ao assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Mariele Franco, em 2018.

“O mandante é como um rato que atua nas sombras. Com seu poder econômico, ele financia e coloca os executores na cena do crime e depois patrocina a impunidade. É incompreensível a anulação do primeiro julgamento, pois as provas estão todas lá nos autos. Temos que afirmar para a sociedade que isso nunca mais vai acontecer”, avaliou.

TRABALHO ESCRAVO

A equipe do Ministério do Trabalho foi assassinada quando fiscalizava a existência de situações análogas à escravidão em fazendas da região de Unaí, entre elas a da família Mânica. As repercussões da chacina fizeram com que o dia 28 de janeiro passasse a ser lembrado como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, situação que nunca cessou mesmo após 134 anos da Lei Áurea, na visão da deputada Andréia de Jesus (PT).

“A luta desses trabalhadores assassinados continua viva. Essa ainda é uma ferida aberta na história do Brasil. A Lei Áurea é vigente, mas o processo de abolição ainda é incompleto”, afirma a presidenta da Comissão de Direitos Humanos. Ela defendeu ainda a aplicação da Emenda Constitucional 81, promulgada em 2014, que prevê a expropriação de propriedades para fins de reforma agrária na qual for flagrado o trabalho escravo.

“Temos que cuidar da memória coletiva até que não seja mais necessário. Participar dessa audiência é uma tarefa dolorosa, mas temos que cobrar das autoridades federais e estaduais a punição dos culpados e o que tem sido feito na luta contra o trabalho análogo à escravidão. Por isso temos que ocupar este espaço com o nosso luto e nossa luta contra a impunidade”, definiu a deputada Beatriz Cerqueira (PT).

Mais informações no programa “Impacto Notícias”, a partir das 11Hrs. Acompanhe pelo link https://sputnikvozdopovo.com.br/sertafm e também pela SertaFM 101,5.

Gostou do nosso portal de notícias?

Então siga o canal do YouTubereceba notícias diariamente através do WhatsApp (CLIQUE AQUI). Para ler mais notícias do Noroeste Mineiro, clique em NOTÍCIAS Siga o jornalista Jeferson Sputnik no TwitterInstagram e Facebook.  Envie informações à redação do portal por e-mail: [email protected].

O conteúdo do Sputnik Voz do Povo é protegido. Você pode reproduzi-lo, desde que insira créditos COM O LINK para o conteúdo original e não faça uso comercial de nossa produção.

Comentários

Por Jeferson Sputnik Jornalista RTP 0021471/MG

Jornalista RTP 0021471/MG Radialista Social Media Mais de 100 milhões de acessos em 2022 Assessor parlamentar Câmara dos Deputados Brasília Sangue A Positivo