“Hoje levei uma facada nas costas”, diz Bolsonaro após ser declarado inelegível por 8 anos pelo TSE
Ex-presidente falou pela primeira vez com a imprensa, em Belo Horizonte, após decisão
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que levou “uma facada nas costas” após decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o tornou inelegível por oito anos. “Há pouco tempo tentaram me matar em Juiz de Fora, levei uma facada na barriga. Hoje levei uma facada nas costas com a inelegibilidade.”
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou nesta sexta-feira (30/06) Jair Bolsonaro por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, tornando o ex-presidente inelegível por oito anos.
Com 5 votos a 2 a favor de condenar Bolsonaro, a decisão passa a valer imediatamente assim que o acórdão (decisão coletiva dos ministros) for publicado, o que deve acontecer nos próximos dias. Os oito anos são contados a partir de 2022, ou seja, Bolsonaro fica fora de eleições até 2030.
Antes da decisão, Bolsonaro disse que iria recorrer caso fosse condenado. “Vou conversar com meus advogados e o recurso segue para o STF”, afirmou o ex-presidente nesta sexta, em entrevista à Radio Itatiaia, de Minas Gerais. Um eventual recurso da defesa, no entanto, não suspende a inelegebilidade.
Votaram a favor da condenação o relator do caso, o ministro Benedito Gonçalves, e os ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Carmen Lucia e Alexandre de Moraes. Os ministros Raul Araújo e Nunes Marques votaram contra a condenação.
A ação também traz acusações contra o general Walter Braga Netto, que era candidato a vice presidente na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022. No entanto, o plenário do TSE considerou que não há elementos suficientes para condená-lo por abuso de poder e ele foi absolvido.
Pelo que Bolsonaro foi condenado?
Bolsonaro foi julgado por causa de um episódio de 2022. Em julho, antes das eleições daquele ano, o então presidente reuniu dezenas de diplomatas estrangeiros no Palácio da Alvorada e fez uma apresentação divulgando notícias falsas sobre insegurança das urnas eletrônicas e teorias da conspiração sobre a legitimidade das eleições.
No episódio, Bolsonaro também fez acusações contra ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF) e contra o seu principal adversário político, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O encontro foi transmitido pela emissora pública TV Brasil.
A ação que foi julgada agora pelo TSE foi proposta pelo PDT no ano passado. A ação acusa Bolsonaro de ter cometido ilegalidades eleitorais com a organização e condução dessa reunião.
O PDT argumenta que o então presidente cometeu abuso do poder político e mau uso dos sistemas de comunicação – infrações que, se houver condenação, vão resultar em inelegibilidade para Bolsonaro por 8 anos.
O Ministério Público eleitoral apoia essa tese do PDT e também pediu a condenção e inelegibilidade de Bolsonaro.
A defesa de Bolsonaro negou as acusações e afirma que não houve divulgações de informações falsas nem intenção eleitoral no evento.
Bolsonaro disse nesta sexta (30/6), antes da decisão, que iria recorrer em caso de condenação. Também negou as acusações feitas no processo.
“Não ataquei o sistema eleitoral, eu mostrei possíveis falhas e vulnerabilidades”, afirmou.
O que disseram os ministros do TSE?
O relator da ação, ministro Benedito Gonçalves, classificou as ações de Bolsonaro como um “flerte perigoso” com o “golpismo”.
“(Bolsonaro) difundiu informações falsas a respeito do sistema eletrônico de votação direcionado a convencer que havia grave risco de que as eleições de 2022 fossem fraudadas para assegurar a vitória do candidato adversário”, afirmou o magistrado em um trecho de seu voto.
“(Ele) assumiu injustificada antagonização direta com o TSE buscando vitimizar-se e desacreditar a competência do corpo técnico e a lisura do comportamento de seus ministros para levar a atuação do TSE ao absoluto descrédito internacional despejou sobre os embaixadores e embaixadoras mentiras atrozes a respeito da governança eleitoral brasileira”, disse o ministro em outro momento.
Para o ministro Floriano de Azevedo Marques, houve desvio de finalidade e abuso de poder nos atos de Bolsonaro.
“(Bolsonaro) usou das suas competências de chefe de Estado para criar uma aparente reunião diplomática com o objetivo, na verdade, de responder ao TSE e construir uma persona de candidato, servindo-se dos meios e instrumentos oficiais, inclusive de comunicação social, para alcançar o seu real destinatário, o eleitor, seja o já cativado ou aquele a conquistar”, afirmou Floriano de Azevedo.
Segundo o ministro, um governante que é candidato à reeleição “deve se revestir de cautelas extremas” para não usar os meios e recursos do cargo em seu benefício.
Além disso, disse ele, um membro da administração pública precisa manter uma separação entre suas crenças pessoais e sua atuação pública quando essas crenças entram em conflito com os interesses públicos e as atribuições do cargo.
Ou seja, um agente público não pode usar o cargo para divulgar notícias falsas e teorias anti científicas, mesmo que no âmbito pessoal tenha o direito de acreditar nelas.
“Alguém pode acreditar que a Terra é plana mesmo contra todas as evidências científicas. Esse sujeito pode ainda integrar um grupo de estudos terraplanistas ou uma confraria da borda infinita. Agora, exercer a competência pública para propalar, com a legitimidade de chefe de Estado, uma inverdade já sabida e reiterada, é um desvio de competência e, portanto, uma figura clássica de desvio de finalidade”, disse Floriano de Azevedo.
“O que se está a julgar não é uma ideologia, mas sim os comportamentos patológicos, abuso e desvio de finalidade, que podem ocorrer e lamentavelmente ocorrem nas mais diversas ideologias. Podem ocorrer na Venezuela, na Hungria, na Nicarágua ou mesmo nos Estados Unidos.”
O ministro André Ramos Tavares – indicado por Bolsonaro para o TSE em novembro de 2022 – também votou pela condenação do ex-presidente. Ramos Tavares afirmou que o evento de Bolsonaro com os diplomatas estrangeiros foi arquitetado com fins eleitorais e teve “mera roupagem diplomática”.
Também afirmou que o discurso de Bolsonaro para os diplomatas fabricou uma camada falsa e fantasiosa que encobriu alguns elementos reais que estavam presentes na sua fala.
“A partir da ocorrência da alguns fatos, forja outros fatos para chegar à conclusões inventivas (…) desviantes da realidade. Os poucos elementos verdadeiros estão ali não para se explorar sua veracidade, mas como estratégia de convencimento alarmista do falso”, afirmou o ministro.
Ramos Tavares disse ainda que Bolsonaro se beneficiou da liberdade de expressão para atacar a democracia e que foram de grande gravidade os ataques “comprovadamente infundados e absolutamente falsos, sistemáticos e notórios contra a urna eletrônica, o processo e a Justiça Eleitoral” feitos por Bolsonaro.
O único ministro até agora que votou contra a condenação de Bolsonaro foi Raul Araújo, que afirmou que a reunião com os embaixadores foi “ato solene” do governo.
A maior parte de sua argumentação foi rejeitando como prova a minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. O documento foi anexado ao processo como elemento indicando intenções golpistas do então presidente.
A fala de Araújo inclusive foi interrompida por outros ministros, que concordaram que é preciso se ater à reunião com os embaixadores e afirmaram que seus votos se baseavam justamente nesse encontro, sem considerar a minuta como prova.
A ministra Carmen Lucia afirmou que Bolsonaro fez uma desqualificação de seu principal adversário nas eleições, atacou o poder Judiciário e o sistema eleitoral e fez divulgação de notícias falsas.
Os ataques aos ministros do TSE foram “extremamente graves”.
“A crítica acontece. A crítica faz parte. O que se não pode é um servidor público, em espaço público, no equipamento público, com divulgação pela EBC e pelas redes sociais oficiais fazer achaques (ofensas) contra ministros do Supremo como se não tivesse atacando a própria instituição”, disse Carmen Lucia.
O ministro Kassio Nunes Marques, que votou pela absolvição do ex-presidente, afirmou que a conduta de Bolsonaro foi uma “reação impensada” a uma reunião feita pelo TSE com os embaixadores alguns dias antes e que não foi grave o suficiente para merecer condenação. Além disso, não teria havido uso indevido dos meios de comunicação pois a audiência da TV Brasil é muito baixa e não seria suficiente para influenciar no pleito.
Para o ministro Alexandre de Moraes, que condenou Bolsonaro, houve abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicações.
“(Bolsonaro) repetiu um modus operandi, que seguiu ao longo de todo o mandato, com a divulgação pelas redes sociais oficiais (da Presidência) de notícias inverídicas”, disse Moraes.
“O tribunal Superior Eleitoral não se preocupa qual a ideologia e qual o candidato, mas se preocupa com que haja lisura e isonomia entre os candidatos”, disse Moraes.
O que esperar agora?
O acordão (decisão coletiva dos ministros) com a condenação do ex-presidente deve ser publicado nos próximos dias e Bolsonaro passa a ficar inelegível até 2030. Depois desta data, ele poderá voltar a concorrer a eleições.
A decisão passa a valer imediatamente, independentemente de recursos. Ou seja, mesmo que Bolsonaro recorra, ele continua inelegível enquanto a Justiça decide sobre seu recurso.
Nesse cenário, um eventual recurso da defesa só suspenderia a inelegibilidade se de fato fosse acatado pela Justiça.
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