Ditadura: impunidade de agentes e imagem distorcida ainda têm reflexos
Última reportagem da série analisa consequências na atualidade
Um dos legados mais perversos da ditadura civil militar foi o da impunidade de crimes violentos como torturas e assassinatos cometidos por agentes do Estado. De acordo com dados da Comissão Nacional da Verdade de 2014, foram contabilizados 434 mortos e desaparecidos no período. Trezentos e setenta e sete agentes do estado foram responsabilizados, no entanto, poucos foram punidos.
Essa impunidade traz reflexos até hoje, principalmente na forma de agir das forças policiais, conforme analisou o professor da USP e integrante da Comissão Memória e Verdade da capital paulista, Camilo Vanucchi.
“Essa falta de punição tem um efeito duplo. Primeiro que ela funciona como salvo conduto para que as torturas continuem acontecendo hoje na democracia. Os desaparecimentos continuam existindo… A gente tem o caso mais ou menos recente, no Rio de janeiro, do Amarildo, pedreiro que sumiu após uma batida policial. Mas quantos jovens não são mortos pela polícia nas periferias, jovens pretos pobres?”
Outra questão que é preciso enfrentar ainda nos tempos atuais é a imagem, presente em parcelas da sociedade, de que a ditadura civil militar foi positiva para o país. Por isso, para o historiador da UFMG Rodrigo Patto Sá Motta, é necessário intensificar a educação política na população sobre o período da ditadura militar.
“Dizem que na época da ditadura, o mal era a esquerda, quem a combatia era o bem, então os defensores da ditadura estariam do lado certo. É preciso mostrar a falácia desses argumentos e mostrar o que foi de fato a ditadura. Eram agentes do bem, mas esses supostos agentes do bem cometeram crimes comuns, como violência sexual, roubo. Alguns agentes da repressão se associaram ao jogo do bicho, ao tráfico de drogas”.
Nesse sentido, Rodrigo Patto também acha que é preciso rediscutir o papel dos militares no poder. Um dos passos para isso seria a punição daqueles envolvidos nos episódios de terrorismo e vandalismo de 8 de janeiro deste ano.
“O papel ambíguo de muitos generais em relação aos golpistas que queriam impedir as eleições ou o governo do presidente eleito Lula. Essas pessoas têm que ser punidas. Espera-se que os julgamentos que estão sendo preparados com as investigações que a Justiça tem feito realmente ocorram, que sigam a lei, e em caso de culpados, que sejam punidos, mesmo que sejam generais de alto escalão, para dar o exemplo, para mostrar que os militares têm que se submeter às leis da República.”
Outra questão levantada por Camilo Vannuchi, é a criação de um grupo de acompanhamento das 29 recomendações apontadas pela Comissão Nacional da Verdade em 2014.
“São recomendações para que uma nova forma de educação da autoridade policial seja feita, com os direitos humanos, com outro tipo de abordagem policial e outros tipos de cursos. São recomendações de ações que são necessárias para que sejam implementadas o quanto antes. Eu acho que precisaria ter uma comissão para falar assim: ‘e aí, implementou alguma? Qual vai ser a próxima? Vamos colocar um prazo?’.”
O caminho apontado por Vannuchi já esbarra na primeira recomendação da Comissão Nacional da Verdade, que é o reconhecimento por parte das forças armadas de sua responsabilidade institucional nos graves episódios de violações de direitos humanos no período da ditadura militar.
Vale lembrar que de 2019 até o ano passado, o Ministério da Defesa celebrou o golpe na ordem do dia em 31 de março, afirmando que a tomada de poder na época foi necessária para a pacificação do país e omitindo a responsabilidade das forças armadas na violência institucional contra diversos setores da sociedade.
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