Audiência debate prevenção e tratamento do câncer
Médicos e entidades defendem mais recursos para as ações
No Dia Mundial do Câncer, representantes de entidades que atuam na prevenção e tratamento da doença fizeram um alerta para a necessidade de mais recursos para as ações que garantam maior equidade no diagnóstico e tratamento da doença no país. Eles argumentam que a distância entre o diagnóstico e o início do tratamento é um dos principais gargalos nas políticas de saúde. Com cerca de 600 mil novos casos e mais de 230 mil mortes por ano, o câncer é uma das principais causas de mortes no país.
Em audiência pública na Câmara dos Deputados, a oncologista e presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz, disse que estudos mostram que a desigualdade social influencia diretamente no acesso aos diagnósticos e tratamento do câncer.
Pacientes com maior escolaridade e poder aquisitivo conseguem obter um diagnóstico da doença na maior parte das vezes em estados iniciais, o que aumenta as chances de cura e de a doença não voltar, disse a oncologista.
Uma pesquisa realizada pelo instituto mostrou que os tratamentos oferecidos no país não são os mesmos para todos os brasileiros. Segundo o estudo, 44% dos pacientes com escolaridade até o ensino fundamental são diagnosticados com câncer em estado avançado. No caso de pessoas negras, o início do tratamento ocorre cerca de 80 dias após o diagnóstico da doença.
“Não podemos mais aceitar que essas desigualdades sociais se coloquem entre o paciente e a prevenção. Hoje as pessoas que morrem mais são as que não sabem ler, as pretas, as que não têm dinheiro para pagar uma condução e ir ao médico, muitas vezes que têm que escolher entre ir ao médico e dar comida aos seus filhos, que não têm acesso a um serviço de saúde perto ou longe delas”, afirmou Luciana.
Segundo a médica, essas desigualdades se refletem diretamente na possibilidade de tratamento do câncer. Dos cerca de 600 mil novos casos notificados por ano, 40% das pessoas já descobrem o câncer em estágios avançados.
“O câncer é a doença das diferenças e infelizmente das desigualdades”, afirmou.
Os participantes do debate também lembraram que a pandemia do novo coronavírus (covid-19) tornou a situação ainda mais preocupante. De acordo com a presidente da Associação Presente de Apoio a Pacientes com Câncer, Priscila Bernardina Miranda Soares, a pandemia dificultou ainda mais o acesso das pessoas a exames para diagnóstico e também ao tratamento.
“O momento é extremamente desafiador. Já era antes e, com a pandemia, nós ganhamos ainda muito mais desafios e dificuldades. As taxas de rastreamento dos tumores mais frequentes como mama, próstata, boca e pele caíram drasticamente. O número de biópsias ainda continua muito tímido em relação ao que era na pré-pandemia, o acesso aos exames de imagens também diminuiu”, apontou Priscila.
A presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, Marlene de Oliveira, disse que é necessário investir mais em ações de diagnóstico precoce da doença. Segundo Marlene, esse tipo de diagnóstico oferece melhores condições de cura. “Para mim, acesso é a palavra mágica quando a gente olha para o câncer”, disse.
Os investimentos em ações de prevenção também foram apontados pela médica Maira Caleffi como uma das ações mais eficazes no enfrentamento ao câncer. A presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) alerta que é preciso se estabelecer uma gestão do cuidado no tratamento do câncer, para tornar mais eficaz o enfrentamento da doença.
“A gente precisa saber onde estão os pacientes fazendo o processo de diagnóstico; segundo, saber quando ele foi diagnosticado, e terceiro, quando ele entrou em tratamento”, defende Maira.
A médica atentou para a necessidade de se fazer valer a legislação voltada para a notificação compulsória dos casos de câncer, que, segundo ela, ajudaria a melhorar o atendimento. “Como é que ela [a notificação compulsória] funciona para covid-19, mas não funciona para câncer?”, questionou.
A deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) lembrou que o Congresso aprovou duas leis para tentar reduzir o tempo entre o diagnóstico e o tratamento da doença, as leis dos 30 e dos 60 dias.
Já a chamada Lei dos 60 dias, começou a valer antes, em 2013, e diz que o paciente com câncer tem direito a se submeter ao primeiro tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de até 60 dias contados a partir do dia em que for assinado o diagnóstico em laudo patológico ou em prazo menor, conforme a necessidade terapêutica do caso registrada em prontuário único.
A primeira, que entrou em vigor em 2019, é voltada para o diagnóstico precoce, e estabelece que exames para a confirmação do diagnóstico de câncer devem ser realizados em até um mês.
Segundo a deputada, é preciso fazer valer as leis para garantir o tratamento adequado aos pacientes. “Ela [Lei dos 60 dias] tem uma relação direta com Lei dos 30 dias que garante que, na suspeita de diagnóstico, os exames precisam ser feitos até em 30 dias e na confirmação, após a biópsia. Não é marcar a consulta, é realmente fazer o procedimento prescrito pelo médico”, disse Zanotto.
O deputado Weliton Prado (Pros-MG) disse que o enfrentamento ao câncer precisa ser priorizado com maior investimento em promoção e prevenção, investimento em diagnóstico precoce, novas tecnologias, medicamentos com comprovada eficácia, além de ampliação e modernização da rede pública.
Entre outros pontos, Prado citou um projeto que tramita na Câmara dos Deputados que cria o Fundo Nacional de Combate ao Câncer e de Assistência a Portadores, para custear programas, ações e projetos de prevenção, controle, rastreamento, diagnóstico e tratamento da doença.
“É fundamental aprovar esses projetos de leis, garantir a criação do fundo nacional para ter recursos suficientes para dar dignidade para que os pacientes tenham acesso ao diagnóstico precoce”, disse. “Não dá para o paciente esperar um ano para ter um diagnóstico, para iniciar realmente o tratamento”, acrescentou.
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