Coronavírus: Senado proíbe despejos e prisão por atrasos de pensão
Segundo o texto, as medidas são válidas apenas durante a pandemia da covid-19; as propostas ainda precisam ser aprovadas na Câmara
O Senado aprovou, na sexta-feira, projeto de lei que proíbe liminares de despejo até 30 de outubro, em função da pandemia do coronavírus. O texto trata ainda de outros pontos de relações de direito privado e reúne sugestões do presidente do Supremo, Dias Toffoli, de regras que devem valer apenas para o período da crise. A proposta segue para a análise da Câmara dos Deputados.
A regra vale para ações ajuizadas a partir de 20 de março de 2020, data de publicação no Diário Oficial da União (DOU) do decreto que reconhece estado de calamidade pública no país. O projeto original, assinado pelo senador Antonio Anastasia (PSD-BA), previa o impedimento de liminar de desocupação de imóvel urbano em ações de despejo até 31 de dezembro.
A relatora do projeto de lei que proíbe liminares de despejo, Simone Tebet (MDB-MS), mudou o prazo para 30 de outubro e ressalvou que, em casos de término de aluguel por temporada, morte de locatário sem sucessor ou necessidade de reparos estruturais urgentes no imóvel, pode haver liminar.
“Esse dispositivo não proíbe o despejo ao final do processo. Ele veda apenas o despejo no início do processo por força de liminar. Essa regra justifica-se porque, nesse momento atual de restrição de circulação de pessoas, fica muito difícil que uma pessoa seja desalojada e consiga um outro local para alugar”, pontua Simone, no parecer.
Simone retirou do texto um trecho que causou polêmica: a permissão para atraso no pagamento de aluguéis. No projeto, Anastasia previa a suspensão da quitação pelos locatários até 30 de outubro. A senadora, porém, considerou que a regra deveria ser suprimida “por prever uma presunção absoluta de que os inquilinos não terão condição de pagar os aluguéis e por desconsiderar que há casos de locadores que sobrevivem apenas dessas rendas”.
“O ideal é deixar para as negociações privadas esse assunto, com a lembrança de que o ordenamento jurídico já dispõe de ferramentas para autorizar, a depender do caso concreto, a revisão contratual”, disse a senadora, citando o Código Civil e a Lei do Inquilinato.
O projeto de lei contém regras que, se aprovadas pela Câmara e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro, valerão até 30 de outubro ou até a revogação do decreto de calamidade pública no país. A ideia é justamente criar normas excepcionais para lidar com o cenário imposto pela pandemia nas relações de direito privado.
Outros pontos do projeto
Suspensão de algumas infrações de ordem econômica como:
- Venda de mercadoria ou a prestação de serviços injustificadamente abaixo do preço de custo
- Encerramento parcial ou total das atividades da empresa sem justa causa comprovada.
O texto ressalta que outros tipos de infração devem ser analisadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) considerando “as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia do Coronavírus (Covid-19)”.
Fusões e aquisições
- Operações em que duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture deixam de ser submetidos ao CADE durante a crise.
- Fica impedida a suspensão de prazos prescricionais de processos que estão tramitando na Justiça, a partir da vigência da lei até 30 de outubro de 2020.
- Até a mesma data, a prisão civil por dívida alimentícia deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar.
Aplicativos de transporte
- Empresas de aplicativos deveriam reduzir, em ao menos 15%, o percentual cobrado de motoristas por cada viagem até 30 de outubro.
- Ficaria vedado o aumento dos preços das viagens ao usuário do serviço em razão dessa redução, regra também prevista também a serviços de entrega (delivery), “inclusive por aplicação de celular, de comidas, alimentos, remédios e congêneres” e “aos serviços e outorgas de táxi, para a finalidade de o motorista ter reduzidas em ao menos 15% todas e quaisquer taxas, cobranças, aluguéis ou congêneres incidentes sobre o serviço”.
Igrejas e associações
- Igrejas ficariam fora da lista de organizações que podem ter reuniões e assembleias presenciais restringidas durante a pandemia do coronavírus.
- Associações, sociedades e fundações devem “observar as restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais” até 30 de outubro de 2020, durante a vigência da lei, se for aprovada, “observadas as determinações sanitárias das autoridades locais”. As organizações religiosas foram retiradas desse pacote por pressão de religiosos sobre os parlamentares.
Novos poderes para síndicos em condomínios
- Síndicos podem restringir o uso das áreas comuns de condomínios para evitar a contaminação do coronavírus, respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos.
- Eles podem restringir ou proibir reuniões e festas nos condomínios.
- Assembleias de condomínios podem ocorrer por meio virtual. Não sendo possível, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.
Sobrecarga em rodovias
- O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) ganha a missão de editar normas que flexibilizem temporariamente o cumprimento de leis sobre o limite de passageiros e de peso de veículos.
Direitos do consumidor
- Sobre o Código de Defesa do Consumidor, o projeto prevê a suspensão da validade de um artigo que prevê o “prazo de arrependimento”.
- Durante a pandemia, na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e medicamentos, não haverá o prazo de sete dias para a desistência da compra.
Lei de proteção de dados
- A vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) será postergada “de modo a não onerar as empresas em face das enormes dificuldades técnicas econômicas advindas da pandemia”.
- As sanções previstas na norma, que entraria em vigor em agosto deste ano, só passariam a valer em agosto de 2021, enquanto as regras gerais valeriam a partir de janeiro do ano que vem.
A postergação do incio da vigência da LGPD não agrada especialistas no assunto. A Comissão de Proteção de Dados e Privacidade, da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, é contra.
– É claro que entendemos que as empresas estão enfrentando situação difícil e não se deve gerar ônus maior a elas. Então, entendemos o adiamento das sanções. Mas há uma preocupação muito grande quanto ao arcabouço de normas, que garantem mais segurança tanto para as empresas quanto para a população. Precisamos proteger os dados dos cidadãos – diz a presidente do colegiado, Estela Aranha.
Nesse momento, há, por exemplo, a intensificação do uso de dados em relação a profissionais de saúde. Queremos garantir que não haja o uso deles depois da emergência.
As normas previstas no projeto aprovado no Senado só passam a valer se forem aprovados também na Câmara dos Deputados e sancionados pelo presidente da República.
Pensão alimentícia
Projeto proíbe prisão em regime fechado e semiaberto em casos de atraso de pensão alimentícia. A proposta prevê que prisões por dívidas alimentícias devem ser cumpridas, exclusivamente, sob a modalidade domiciliar.
Segue a linha do que decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 26 de março. Na ocasião, a Corte determinou que todos os presos pelo atraso no pagamento de pensão alimentícia deixassem o sistema carcerário, passando para o regime domiciliar.
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