Senador amigo de Bolsonaro é ligado a empresa acusada de desvio de medicamentos dos Yanomami
Empresa que deixou 10 mil crianças Yanomami sem remédio recebeu R$ 3,5 milhões em contratos com Min. da Saúde e Exército
Flagrado com R$ 30 mil na cueca em 2020, Chico Rodrigues [à direita] era vice-líder do governo e já se referiu ao ex-presidente como “amigo Jair Bolsonaro” – Marcos Côrrea/Presidência da República
Uma das causas da crise humanitária na Terra Indígena Yanomami foi um suposto desvio de medicamentos descoberto pelo Ministério Público Federal de Roraima (MPF-RR). A fraude teria deixado 10 mil crianças Yanomami sem remédio no ano passado.
O esquema teria movimentado R$ 600 mil e foi revelado pela operação Yoasi, deflagrada em novembro de 2022. Segundo as investigações, o desvio esvaziou o estoque de postos de saúde no interior da Terra Indígena.
Conforme a Polícia Federal (PF), os empresários de Roraima que se beneficiaram do suposto esquema são apadrinhados políticos do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), que já chamou Jair Bolsonaro de “amigo”.
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O ex-presidente, por outro lado, chegou a afirmar que mantém com Rodrigues “quase uma união estável”, conforme uma gravação que circulou na internet sem data indicada.
Além de uma amizade duradoura que surgiu quando ambos eram deputados federais, Rodrigues e Bolsonaro têm em comum a pauta da liberação do garimpo em terras indígenas.
O político roraimense foi vice-líder do governo Bolsonaro no Senado até 2020. Ele renunciou do posto após ser flagrado pela PF com R$ 33 mil escondidos na cueca durante uma operação contra desvio de verbas da saúde para combate à pandemia.
Governo deixou que esquema se implantasse, diz MPF
O contrato entre a Balme e o Ministério da Saúde previa o fornecimento de Albendazol, usado no tratamento de verminoses. O remédio chegou a apenas 3 mil crianças Yanomami. Menos de 30% dos medicamentos comprados foram entregues pela empresa.
“Me chocou profundamente a insensibilidade desses agentes envolvidos nesse esquema, por enriquecerem tão pouco e provocarem uma grave crise no território Yanomami”, declarou o procurador do MPF-RR Alisson Marugal.
Conforme o MPF-RR, os medicamentos foram desviados pela empresa Balme Empreendimentos. O crime teria participação de dois coordenadores do Distrito Sanitário Especial Indígenas (DSEI) Yanomami, uma das unidades administrativas do Ministério da Saúde.
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Historicamente, os DSEIs em todo o país são controlados por deputados, senadores, governadores e prefeitos. Eles indicam nomes para ocupar cargos de coordenação do serviço. Em Roraima, um desses políticos com influência na saúde indígena é o senador Chico Rodrigues.
“Embora tivesse discurso anticorrupção, o governo [Bolsonaro] deixou que o esquema se implantasse. Gestores do DSEI Yanomami não tinham experiência em Saúde nem em indigenismo. A Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] tinha conhecimento da falta de estoque de medicamentos e pouco fez para solucionar”, afirmou o procurador do MPF.
Entenda a ligação entre a empresa e Chico Rodrigues
Oficialmente, o dono da Balme é Roger Henrique Pimentel, um empresário de Boa Vista (RR). De acordo com a PF, porém, o verdadeiro proprietário é Jean Frank Padilha Lobato, ex-deputado federal em Roraima e apontado pelas investigações como “operador” de Chico Rodrigues.
“Foi possível concluir pela existência de uma relação hierárquica, estando o senador Chico Rodrigues no topo, Jean Frank como intermediário, e Roger Pimentel, sócio da empresa Quantum [antigo nome da Balme], como o braço operacional”, detalhou um relatório da Polícia Federal.
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O relatório em questão foi produzido em 2020 durante a operação Desvid-19, que mirou um suposto esquema de desvio de recursos destinados ao combate à covid-19 avaliado em R$ 20 milhões. No centro das investigações estavam os mesmos implicados na operação Yoasi: Chico Rodrigues, Jean Frank e a Balme Empreendimentos, que na época se chamada Quantum.
Ainda segundo o relatório da PF, Jean Frank e o senador bolsonarista trocaram 3,5 mil mensagens de WhatsApp ao longo de dois anos. “Jean Frank trata o senador nos diálogos como ‘chefe’, atendendo a inúmeras demandas de Chico Rodrigues, comprovando alto grau de vínculo e confiança entre ambos”, descreve o relatório da PF, divulgado pelo Estadão.
MPF continuará investigando empresa
O procurador Allison Marugal afirmou que o MPF-RR dará sequência à operação Yoasi a partir deste ano, já que há indícios de fraudes em outros contratos.
Segundo o Portal da Transparência, a Quantum/Balme recebeu quase R$ 3,5 milhões de verbas federais em contratos de fornecimento de medicamentos e insumos hospitalares, incluindo oxigênio durante a pandemia de covid-19.
A empresa ligada ao senador bolsonarista tem contratos com o DSEI Yanomami desde 2017, mas passou a receber as maiores quantias a partir de 2019. Antes, a Balme/Quantum havia recebido apenas R$ 70 mil em dois contratos com o Ministério da Saúde.
Criança Yanomami com sinais de desnutrição recebe atendimento médico no Hospital Infantil Santo Antonio, em Boa Vista (RR) / ©Michael Dantas / AFP
A ampla maioria das compras foi para abastecer o DSEI Yanomami. Há também contratos com a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, pelotão do Exército localizado em Boa Vista (RR), que totalizam quase R$ 160 mil.
Para desviar medicamentos dos Yanomami, o MPF diz que a empresa ofereceu preços inexequíveis no processo licitatório. Em seguida, teria pago propina a funcionários públicos para atestarem falsamente o recebimento dos medicamentos.
Presidenta da Funai critica indicações políticas na saúde indígena
Ao Brasil de Fato, a presidenta da Funai Joênia Wapichana comentou o suposto esquema que deixou crianças Yanomami sem remédio.
“A corrupção tem que ser tratada primeiramente como um crime. Tem que ser dada uma resposta à altura por essa prática que está prejudicando uma coletividade toda, inclusive, é conivente e cúmplice de genocídio”, afirmou.
Ela defendeu ainda que o governo Lula reveja a prática de indicações políticas para ocupar cargos na saúde indígena.
“[Seria melhor] Que não tivesse esse apadrinhamento por parte de parlamentares ou políticos ou outros interessados, porque a gente viu que não dá certo. Realmente as indicações têm que ser técnicas”, avaliou.
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Para Joênia, nomeações de cargos de pessoas que vão interagir diretamente com comunidades indígenas tem que ter, no mínimo, respeito e diálogo com os povos.
“Eu acredito que essa talvez seja a orientação que a Casa Civil tem passado, inclusive de evitar pessoas radicais como a gente viu assumindo cargos nos últimos quatro anos, com aquela ideia de evangelizar os povos indígenas a qualquer custo. Também vimos indicações de pessoas com ideias bolsonaristas, de ataques à democracia, não reconhecendo os poderes constituídos e tendo uma ideologia que seja, digamos assim, fascista”, afirmou a presidenta da Funai.
Outro lado
A reportagem procurou o senador Chico Rodrigues e a Balme empreendimentos, mas não houve resposta. O espaço segue aberto às manifestações.
Em nota enviada ao portal Metrópoles em novembro de 2022, a Balme alegou que, “inicialmente, urge registrar que as alegações repassadas nas mídias são inverídicas, e que a empresa Balme sempre honrou com as contratações firmadas e que não participa de quaisquer esquemas de desvio de medicamentos ou dinheiro público.”
A empresa disse ainda que “repudia veementemente as acusações que envolve a Balme na contratação pelo DSEI – Y. Informa que a empresa vem sofrendo danos pelas acusações falsas veiculadas, e que não é responsável por problemas relacionados à gestão da contratante, DSEI-Y, e que tem sido utilizada para maquiar um esquema de corrupção interno do órgão, não devendo a Balme ser penalizada por crimes de terceiros.”
O Brasil de Fato não localizou o contato do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está nos Estados Unidos. Pelo aplicativo de mensagens Telegram, ele chamou a crise humanitária no território Yanomami de “farsa da esquerda” e disse que “os cuidados com a saúde indígena” foram “uma das prioridades do governo federal”.
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