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Jornais publicam anúncio pago de tratamento ineficaz contra Covid-19

Os principais jornais impressos do país publicaram na última terça-feira (23) um manifesto de médicos favoráveis ao “tratamento precoce” contra a covid-19. Como amplamente divulgado não somente pela mídia, mas também em revistas científicas, não existe tratamento precoce cientificamente comprovado para a doença. As únicas formas de prevenção contra o vírus são o uso de máscaras e o distanciamento social.

Os anúncios foram publicados em alguns dos maiores veículos de imprensa nacional: O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de Minas, Jornal do Commercio, Zero Hora, Jornal Correio, Correio Braziliense e O Povo.

O manifesto é assinado por 2.122 e é direcionado à sociedade brasileira, aos médicos, órgãos de imprensa, aos Conselhos Regionais de Medicina e ao Conselho Federal de Medicina.

A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) chamou atenção para os anúncios e afirmou que “lucrar com a divulgação dessas informações falsas é um crime contra a saúde pública”.

A publicação é assinada pela Associação de Médicos pela Vida, com sede em Recife. Em dezembro de 2020, os coordenadores do movimento Antônio Jordão de Oliveira Neto e Cristiana Altino Almeida enviaram à Procuradoria-Geral da República, uma carta assinada por mais de cem profissionais liberais e médicos, um pedido pela não obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19.

O documento teve adesão da médica Nise Yamaguchi, apoiadora de Jair Bolsonaro e defensora do uso de cloroquina, azitromicina e outros medicamentos sem eficácia contra o vírus.

A imprensa é um dos setores que mais vêm sofrendo com ataques do governo federal por conta da defesa de Jair Bolsonaro sobre o uso da cloroquina. O Ministério da Saúde chegou a mudar a forma e o horário de publicar os dados sobre a doença para não coincidir com os horários dos telejornais noturnos. A partir daí, estes mesmos veículos que publicaram o manifesto se uniram em um consórcio para levantar números sobre a doença.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) são contrárias a essa linha de argumentação. 

FALSO. Não há evidência na literatura médica que comprove a eficácia do chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19. Logo, não é correto considerar essa receita uma “abordagem disponível”.

Principal entidade representativa da área no país, a SBI publicou documento em 19 de janeiro passado em que afirma que “as melhores evidências científicas demonstram que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção ou no ‘tratamento precoce’ para a Covid-19 até o presente momento. (…) Atualmente, as principais sociedades médicas e organismos internacionais de saúde pública não recomendam o tratamento preventivo ou precoce com medicamentos, incluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, diz o texto.

Desde julho de 2020 a SBI condena especificamente o uso de hidroxicloroquina, quando estudos comprovaram que o medicamento não tem efeito benéfico sobre pacientes com Covid-19. Na ocasião, a organização afirmou inclusive que a “hidroxicloroquina deve ser abandonada em qualquer fase do tratamento da Covid-19” e orientou que “os agentes públicos, incluindo municípios, estados e Ministério da Saúde reavaliassem suas orientações de tratamento, não gastando dinheiro público em tratamentos que são comprovadamente ineficazes e que podem causar efeitos colaterais”.

Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) afirma não reconhecer a existência de quaisquer tratamentos válidos para a prevenção ou cura da Covid-19. O CFM defende, no entanto, que o médico tenha autonomia para prescrição de “medicamentos off label” (ou seja, fora da indicação que está na bula), desde que os pacientes sejam alertados para isso.

O infectologista da UFRJ Mauro Schechter, uma das vozes mais ativas no combate às fake news e tratamentos sem respaldo científico contra a Covid-19, diz que o texto publicado pela associação com sede em Pernambuco se baseia em duas “falácias”:

— A primeira é afirmar que, segundo o artigo 32 do Código de Ética Médica, é falta grave o médico deixar de utilizar todos os meios disponíveis cientificamente comprovados. Ora, todas as sociedades científicas nacionais e internacionais unanimemente contraindicam os medicamentos propostos por eles. Isto por já ter sido conclusivamente demonstrada a ineficácia da maioria dos que eles propõem, como cloroquina, azitromicina e vitamina D.

De acordo com Schechter, a dexametasona tem indicações precisas, para pacientes com critérios de gravidade, jamais para tratamento precoce.

— A segunda falácia é citar a Declaração de Helsinque e a resolução do CFM que afirmam que, quando os medicamentos disponíveis se revelaram ineficazes, o médico está autorizado a utilizar outros ainda sem comprovação de eficácia, mas que ele julga que possam ser eficazes. A falácia aqui é que eles propõem utilizar exatamente os medicamentos que se revelaram ineficazes, não outros ainda não adequadamente testados, o que é o óbvio sentido da declaração de Helsinque.

A pneumologista da Fiocruz Margareth Dalcomo disse que o manifesto pode gerar mais confusão na opinião pública, quando a sociedade deveria estar mobilizada para tomar a vacina o mais rápido possível.

A imprensa tem cumprido um papel importante no enfrentamento do negacionismo ao mostrar as mentiras propagadas. Mas, se pagar bem, que mal tem abrir espaço para as mentiras que atentam contra a saúde pública? Foi isso o que grandes jornais brasileiros fizeram na última semana ao dar voz para o lobby negacionista de uma associação médica.

Pelo menos oito jornais venderam meia página para a promoção de remédios. São eles: Folha de S. Paulo; O Globo, do Rio; Zero Hora, do Rio Grande do Sul; Correio Braziliense, do Distrito Federal; o pernambucano Jornal do Commercio; Estado de Minas; o cearense O Povo, e o Correio, da Bahia.

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Por Jeferson Sputnik Jornalista RTP 0021471/MG

Jornalista RTP 0021471/MG Radialista Social Media Mais de 100 milhões de acessos em 2022 Assessor parlamentar Câmara dos Deputados Brasília Sangue A Positivo