Projeto de Lei de redução salarial de autoria do Vereador Geraldinho Porto é inconstitucional. Diz parecer Jurídico
O Jurídico da Câmara Municipal de João Pinheiro deu parecer inconstitucional do projeto de Lei de redução salarial em 20%
De autoria do Vereador Geraldo Ferreira Porto Neto, a propositura em exame pretende reduzir em 20% (vinte por cento) o valor dos subsídios dos Vereadores, Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários Municipais, Superintendente da PREVIJO e Advogado Geral do Município.
Em justificativa, o proponente esclarece que diante da Pandemia internacional ocasionada pelo Coronavírus COVID-19, surgida em um contexto de profunda crise fiscal, constitui um desafio extra, e de grandes proporções, aos gestores públicos.
ANÁLISE JURÍDICA
Conforme prevê a Lei Orgânica do Município de João Pinheiro/MG, em seu artigo 25, inciso II, é de competência exclusiva da Mesa da Câmara a iniciativa das Leis que disponha sobre a remuneração dos vereadores, senão vejamos:
Artigo 25 – Compete à Mesa da Câmara Municipal, além de outras atribuições estipuladas no Regimento Interno: I – … II – Propor ao Plenário projeto de lei que criem, transformem ou extinguem cargos, empregos ou funções da Câmara Municipal, bem como a fixação da respectiva remuneração, observadas as determinações legais.
Todavia, a Constituição Federal no inciso X do artigo 37 prevê que a remuneração dos servidores públicos e o subsidio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei especifica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurando revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices, nestes temos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)
X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;.
No entanto, o direito dos vereadores e demais agentes políticos em remuneração pelo exercício de seu mandato eletivo encontra fundamento nas normas gerais da Lei Orgânica Municipal, bem como nas normas especiais estatutárias em ato normativo especifico, ou seja, o Ato Fixador (valido) do subsídio.
Entretanto, o art. 29, inc. VI da Constituição Federal dispõe que “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observando o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva lei Orgânica e os seguinte limites máximos”.
Parece-nos que o impedimento gerado pela regra da anterioridade da legislatura compreende a inalterabilidade do subsídio dos edis durante a legislatura.
Assim, em tese, a redução da remuneração dos Vereadores por meio do projeto ora apresentado poderá ser acusada de, formalmente, infringir o art. 29, inciso VI, da Constituição Federal, denominada “regra da legislatura”.
Por outro lado, cabe invocar também o art. 37, inc. XV da Constituição Federal, segundo o qual o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2.238-MC/DF, sob a relatoria do Ministro Ilmar Galvão, assentou, com base nos termos do art. 37, XV, da Constituição, a impossibilidade de retenção salarial ser utilizada como meio de redução de gastos com pessoal com o objetivo de adequação aos limites legais ou constitucionais de despesa.
Tal entendimento veio a ser confirmado pelo Ministro Roberto Barroso, ao negar provimento ao RE 836.198 PB, j. 7.06.2016).Também no RE/SP n˚ 213.524 o Supremo Tribunal Federal posicionou-se em manter a decisão do Tribunal de Justiça local que revogou a redução dos subsídios dos vereadores, tendo o voto vencedor do Ministro Marco Aurélio, indicando que “[…] a cláusula referente à fixação da remuneração na legislatura em curso visa a colar ao ato equidistância, independência, razão pela qual o momento propício estaria no período que antecede ao pleito, já que com este ter-se-ia a ciência dos que viriam a beneficiar-se da nova fixação. Esse enfoque atende à mens legis da norma constitucional. A razão de ser de fixar-se ao término da legislatura em curso a nova remuneração está, justamente, em buscar-se a almejada equidistância, obstaculizando-se, assim, procedimento que implique legislar em causa própria ou em prejuízo daqueles de facção política contrária.”
Assim, em princípio, parece-nos que a medida de redução dos subsídios somente seria possível se estivesse comprometido o limite previsto no §1º, do art. 29-A da Constituição Federal, o que não é o caso. Assim, a proposta, em tese, pode ser contestada em razões de afronta formal (violação à “regra da legislatura”) e material (violação à irredutibilidade material) às normas constitucionais. No entanto, não se pode ignorar que a inaudita pandemia deflagrada neste ano, com devastador impacto econômico e social, tem suscitado novos enfoques jurídicos para situações e medidas a ela relacionadas, que privilegiem a solidariedade.
A título de exemplo, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 6357 MC/DF, em voto do Ministro Relator Alexandre de Moraes, ad referendum do Plenário da Corte, conferiu interpretação conforme a Constituição Federal a dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal para, durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de COVID-19, afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de COVID-19, ressaltando que a medida cautelar se aplica a todos os entes federativos que, nos termos constitucionais e legais, tenham decretado estado de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19.
Lembre-se ainda que o STF, em julgado paradigmático, atentou para a prevalência dos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro sobre outros, não reconhecendo o direito adquirido dos pensionistas que não pagavam a contribuição à Previdência (ADIn 3.105, Rel. Ministro Cezar Peluso, j. 18-8-2004).
De qualquer modo, ressalte-se que a medida extrema da qual se cogita redução de subsídios dos vereadores no curso da legislatura, em que pesem as apontadas normas constitucionais relativas à anterioridade e à irredutibilidade haveria de estar expressamente relacionada a medidas de enfrentamento ao combate à pandemia. Com efeito, ali restou consignado expressamente que “em virtude da situação de emergência e de calamidade pública decorrentes do Coronavírus, como medida excepcional, no exercício de 2020 deverá a Mesa Diretora da Câmara Municipal, por ato próprio, transferir o saldo de Despesas da Câmara Municipal de João Pinheiro/MG ao Municipal”.
“E ainda, os valores transferidos deverão, preferencialmente, ser utilizados em ações vinculadas à Secretaria Municipal da Saúde e à Secretaria Municipal de Assistência Social no enfrentamento ao Coronavírus no Município de João Pinheiro.” Assim, ficaria plasmada a razão pela qual medida tão extrema, e em princípio desafiadora das normas constitucionais relativas à anterioridade e à irredutibilidade dos subsídios, seria admissível em face da circunstância tão excepcional vivenciada.
É notório que a candente situação de calamidade pública vigente no país requeira soluções drásticas, inclusive cogitando-se não só de corte de subsídios dos vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários municipais, superintendente da PREVIJOP e Advogado Geral do Município. Trata-se de questão complexa, ainda não definitivamente sedimentada na jurisprudência, que, todavia, tende a resguardar a estabilidade financeira dos agentes políticos.
Merece destaque o voto do Desembargador Walter de Almeida Guilherme, ADI 0281594-72.2011.8.26.0000, do Estado de São Paulo:
A revisão geral anual dos subsídios dos Vereadores se faz por lei especifica, de iniciativa da Câmara Municipal, pois assim dispõe o artigo 37. X, da Constituição Federal. Aliás, soa logico que, se para fixação do subsidio, de uma legislatura para outra, é exigível ato do Poder Legislativo (resolução), para proceder à revisão geral deste dever a lei também ter origem naquele Poder. Vale dizer, a competência para iniciar o processo legislativo que dispõe sobre a revisão anual dos subsídios dos Vereadores é da MESA DIRETORA DA CÂMARA DOS VEREADORES (TJ-SP ADI 0281594-72.2011.8.26.0000, rel. Des. Rui Copolla, julgamento em 04/042012).
Portanto, verifica-se no presente caso, tal como apresentada, há vicio formal, na medida que viola a iniciativa privativa as Mesa da Câmara, sendo esta indelegável.
O Projeto de Lei estabelece ainda que a redução dos subsídios dos vereadores se iniciará na presente Legislatura. Porém, como demonstrado será, referido dispositivo afronta a Constituição Federal e da “Regra da Legislatura”. Conforme estatui o art. 29, VI, da Constituição Federal, “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, e os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica, bem como os seguintes limites máximos”.
Resta claro, portanto, que a regra da anterioridade, consiste em uma projeção específica do princípio da moralidade, inserto no art. 37, caput da CRFB/88, com o objetivo de evitar a prevalência de interesses particulares dos detentores de mandato eletivo na fixação do valor das próprias remunerações.
Nesse sentido, já decidiu o STF que o subsídio dos Agentes Políticos Municipais (categoria que inclui os Vereadores) seja fixado antes da realização das eleições municipais, momento no qual ainda se desconhece quem serão os eleitos, e não até o término de uma legislatura para viger na subsequente.
Assim, guarda-se equidistância e imparcialidade na produção do ato legislativo, evitando-se favorecimentos (em causa própria ou de terceiros) ou perseguições por motivos políticos. Segue abaixo ementa da decisão do STF e trecho do voto vencedor do Ministro Marco Aurélio Mello:
o: “[…] a cláusula referente à fixação da remuneração na legislatura em curso visa a colar ao ato equidistância, independência, razão pela qual o momento propício estaria no período que antecede ao pleito, já que com este ter-seia a ciência dos que viriam a beneficiar-se da nova fixação. Esse enfoque atende à mens legis da norma constitucional. A razão de ser de fixar-se ao término da legislatura em curso a nova remuneração está, justamente, em buscar-se a almejada equidistância, obstaculizando-se, assim, procedimento que implique legislar em causa própria ou em prejuízo daqueles de facção política contrária.”
Tal medida (redução) somente seria possível, caso estivesse comprometido o limite previsto no §1º, do art. 29-A da CF/1988, devidamente comprovado perante esta Casa e, desde que, tal medida não ofenda os princípios da moralidade, da impessoalidade e da razoabilidade, mas visem ao atendimento do limite constitucional. E ao que parece, não é o caso.
Este entendimento também é do TCE-ES, em consulta realizada (parecer 025/2017):
CONSULTA – 1) É POSSÍVEL A REDUÇÃO DO SUBSÍDIO DOS VEREADORES NA MESMA LEGISLATURA QUANDO A INTENÇÃO FOR DIMINUIR OS GASTOS COM FOLHA DE PAGAMENTO PARA FINS DE CUMPRIMENTO AOS LIMITES CONSTITUCIONAIS REFERENTES AO TOTAL DA DESPESA DO LEGISLATIVO MUNICIPAL E AO SUBSÍDIO DOS VEREADORES BEM COMO AOS LIMITES IMPOSTOS PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 101/2000 – 2) SALVO A HIPÓTESE ANTERIOR, É IMPOSSÍVEL UMA ALTERAÇÃO OU NOVA FIXAÇÃO DE SUBSÍDIOS DOS VEREADORES (SEJA PARA REDUZIR OU MAJORAR OS SUBSÍDIOS) PARA VIGER DENTRO DA MESMA LEGISLATURA EM OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – ARQUIVAR
Todavia, se revela inconstitucional a redução da remuneração dos agentes políticos, pela Câmara Municipal, porque há afronta ao princípio constitucional da irredutibilidade dos subsídios e vencimentos, devendo-se atentar para os limites máximos e as restrições postas no inciso XV do artigo 37 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda nº 19/98.
Desse modo, observados tais limites, não é justificável que o legislador local, desconsiderando o princípio da irredutibilidade, fixe o subsídio dos agentes políticos, em valor inferior àquele estabelecido na Lei Municipal, para o exercício de 2017/2020.
Assim, a garantia constitucional da irredutibilidade do estipêndio funcional traduz conquista jurídico-social outorgada, pela Constituição da República, a todos os servidores públicos (CF, art. 37, XV), em ordem a dispensar-lhes especial proteção de caráter financeiro contra eventuais ações arbitrárias do Estado. A Constituição Federal garante aos agentes políticos o direito aos respectivos subsídios dado seu caráter retributivo e alimentar, constituindo uma retribuição por serviço prestado. Por essa razão, o sistema de subsídio atrai a aplicação de direitos sociais essenciais, tal como o direito à irredutibilidade salarial disposto no inciso VI, do art. 7º, da CF.
CONCLUSÃO
Conclui-se objetivamente o presente parecer no sentido da inviabilidade jurídica da propositura tal como apresentada, tendo em vista que viola a iniciativa privativa da Mesa Diretora da Câmara Municipal. Assegurada ainda a irredutibilidade dos subsídios pela Constituição Federal, em regra, não se afigura constitucional projeto de Lei nº. 061/2020 que pretenda reduzir o subsídio dos agentes políticos locais.
Assim o reconhecemos o projeto de Lei 061/2020 a sua inconstitucionalidade por ferir os artigos 29, VI, art. 37 XV da Constituição Federal e Artigo 25, inciso II da Lei Orgânica do Município de João Pinheiro/MG.
Reunião Ordinária Completa pelo link abaixo…
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